quarta-feira, 3 de novembro de 2010

FALANDO DE CULTURA !!!

Autor: Marta Porto ?

Essa é a pergunta que me fazem em todos os debates, palestras, aulas e cursos. Passei a última década tentando respondê-la entre a pesquisa e a pratica de campo, nos projetos próprios, nas assessorias técnicas ou nos cargos institucionais. O resultado é uma tentativa de defender o que é essencial, o que não pode faltar, o que define um núcleo celular para a atividade política com e para a cultura, dentre as variedades de visões, propostas e crenças (ideológicas inclusive) que pululam em momentos e governos diferentes.



O propósito de uma política de cultura é ampliar a subjetividade das pessoas e com isso as oportunidades de escolhas simbólicas sobre si, o mundo que a cerca e os sonhos que nutre ao longo da vida. Por subjetividade entendo todo o campo que ativa a imaginação, a criatividade, o sonho e a sensibilidade diante de experiências estéticas e de dilemas éticos. Parto desse ponto, para definir os dois principais desafios para as políticas de cultura hoje, em especial no Brasil: o desenvolvimento estético e ético (valores) de uma sociedade. Não ignoro a importância econômica da cultura e nem os seus impactos sociais, e disso já tratei em vários textos publicados aqui, mas estimular a sensibilidade estética é algo que só cabe as políticas de cultura e ao fazer isso com ações que promovam o diálogo e a noção de alteridade é possível iniciar aquilo que Ananás Mockus, em Bogotá, intitulou de “cultura cidadã”, um projeto (ethos) comum de como projetamos a nossa vida em sociedade, como a imaginamos para além da realidade do aqui e agora.



Essa liberdade de imaginar a nossa vida individual ou em sociedade de forma criativa, rompendo com o senso comum da leitura ad nauseum dos indicadores socioeconômicos, em ação de deslocamento momentâneo dessa realidade para uma imaginação ativa e criativa, é uma grande contribuição das boas políticas de cultura para sociedades em qualquer momento de sua história. Para isso é preciso que as experiências vivenciadas pelos indivíduos desde a infância sejam ricas, sejam de qualidade do ponto de vista do conteúdo e da forma. Experiências capazes de promover o que o filósofo Renato Janine Ribeiro propõe ” é cultural toda a experiência da qual saio diferente - e mais rico - do que era antes. Seja o que for, um livro, um filme, uma exposição: estou no mundo da cultura quando isso não apenas me dá prazer (me diverte, me entretém), mas me abre a cabeça, ou para falar bonito, amplia o meu mundo emocional, aumenta a minha compreensão do mundo em que vivo, e assim, me torna mais livre para escolher o meu destino”.



É fácil? Não, não é. Primeiro porque exige uma reconceituação do que queremos com nossas politicas de cultura, depois impregnar a gestão (programas, formação de RH, infra-estrutura institucional, orçamento) de uma potência que ela ainda não tem. Em outras palavras, é preciso inovar. E entender que ricos e pobres tem direito de compartilhar a mesma qualidade de repertórios artísticos, de trocarem experiências entre si e com diferentes formas de pensar e viver o mundo, de compreenderem a história cultural desse país e da humanidade com programas e técnicas atrativos que inspirem as mais diversas faixas etárias e segmentos sociais. Enfim, de vivenciarem a experiência cultural naquilo que ela tem de mais radical: a magia de sentir-se tocado pelo espírito que anima a existência. Um percurso para pensar as politicas de cultura? Programas capazes de promover inspiração, experimentação e por fim, a criação de linguagens próprias, mas em constante diálogo com o que não conheço.



O que deve mover as politicas de cultura é reinventar os imaginários pessoais e coletivos, permitindo aos indivíduos a liberdade de fazerem escolhas que poderiam inicialmente parecer disparatadas, ou impossíveis. É estimular o sonho, a liberdade de espírito que nos leva a produzir outras formas de estar juntos. Memória e experimentação são dois elementos centrais para garantir a qualidade desse percurso. O que mais? Acreditar. Ousar. Libertar-se dos modismos atuais que pregam que válido é só o que promove “inclusão” ou que reduz indicadores de violência, ou de vulnerabilidade sociais. Por experiência própria, sei que um bom programa de cultura é capaz de virar para o bem a cabeça de muitos que dele participam, mas o mote é sempre o desenvolvimento, a oportunidade, a elegância de crer na potência, sem que ela seja interditada pelo conservadorismo de plantão que distingue “quem pode mais e quem pode menos”. Na cultura e na arte, podem todos os que encontram oportunidades para se expressar e se modificar, por que a varinha mágica do espírito aberto e fraterno algum dia os tocou. Se nessa trajetória aprendemos a LER, VER - a nós mesmos, ao mundo que vivemos, aos conteúdos que nos oferecem - e estar LÁ e AQUI, sem falsos moralismos, nem identidades que se tornam guetos, nossa tarefa está iniciada, já que em cultura, nada e nunca é concluído.



Diz a lenda Marta Porto!

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