quarta-feira, 16 de junho de 2010

ESTATUTO DA IGUALDADE RACIAL (02)

O ex-ministro Edson Santos e o atual titular da Secretaria de Políticas para a Igualdade Racial, Eloi Ferreira de Araujo, acompanham reunião da CCJ do Senado que aprovou relatório sobre o projeto que cria o Estatuto da Igualdade Racial - Agência Brasil

BRASÍLIA - O Estatuto da Igualdade Racial foi aprovado nesta quarta-feira, em votação simbólica, pelo plenário do Senado. O texto, que segue agora para a sanção do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, exclui dispositivos que definiam as cotas étnicas para o ingresso no ensino superior. Também foi retirado do projeto o artigo que estabelecia políticas nacionais de saúde específicas para os negros.

A votação aconteceu no mesmo dia em que a Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJ) da Casa aprovou o relatório do senador Demóstenes Torres (DEM-GO) sobre o projeto que criava o estatuto.

O texto, de autoria do senador Paulo Paim (PT-RS), prevê garantias e o estabelecimento de políticas públicas de valorização aos negros brasileiros. Na área educacional, por exemplo, incorpora no currículo de formação de professores temas que incluam valores de respeito à pluralidade etnorracial e cultural da sociedade

O senador disse, em entrevista à Agência Senado, que concorda com a posição da Secretaria Especial de Promoção da Igualdade Racial, vinculada à Presidência da República (Sepir-PR), segundo a qual o estatuto representa um avanço, embora não contemple a política de cotas raciais.

- Ele [o estatuto] tem um valor simbólico que ilumina o caminho dos que lutam pela igualdade de direitos e por ações afirmativas - afirmou o senador, acrescentando que o estatuto dará "conforto legal" para que se avance na busca da regulamentação das cotas raciais.

Paulo Paim lamentou a decisão do relator que, além das cotas para entrar no ensino superior, retirou do estatuto o artigo que dizia respeito à criação de incentivos fiscais como forma de estimular a contratação de negros tanto no setor público quanto no privado. Já o relator argumentou que essa medida criaria uma preferência para a contratação de trabalhadores negros.

- Assim, o estatuto prega a discriminação reversa em relação aos brancos pobres e cria clara situação de acirramento dos conflitos relacionados à cor da pele - afirmou Demóstenes Torres.

O senador Paulo Paim manifestou sua expectativa na aprovação de projeto sobre cotas raciais da deputada Nice Lobão (DEM-MA), que se encontra na CCJ. De acordo com o parlamentar, o projeto já foi bastante modificado, tanto na Câmara, onde tramitou por onze anos, quanto no Senado, onde gerou polêmica e teve sua votação adiada diversas vezes.

Porém, o senador considera como pontos positivos do estatuto o reconhecimento ao livre exercício de cultos religiosos e o direito dos remanescentes de quilombos às suas terras.

Por outro lado, o deputado Edson Santos (PT-RJ), que foi ministro da Igualdade Racial e acompanhou a votação da matéria na CCJ nesta quarta-feira junto com o atual ministro da pasta, Elói Ferreira de Araújo, disse que a garantia do acesso à educação e a instituição de uma política de ação afirmativa, propostas pelo Estatuto, atendem a anos de luta da comunidade negra.

O projeto determina a obrigatoriedade, nas escolas de ensino fundamental e médio, do estudo de história geral da África e da população negra no Brasil. Neste último caso, os conteúdos serão ministrados como parte do currículo escolar com o objetivo de resgatar a contribuição negra para o "desenvolvimento social, econômico, político e cultural do país".

Objeto de várias modificações, o texto vinha sendo discutido há dez anos na Câmara e no Senado.

ESTATUTO DA IGUALDADE RACIAL

Após sete anos, Senado aprova Estatuto da Igualdade Racial
Previsão de cotas para negros foi retirada do projeto, que entra em vigor após sanção presidencial
16 de junho de 2010 | 19h 54

Rosa Costa, de O Estado de S.Paulo / BRASÍLIA

Alvo de discussões acirradas nos sete anos de tramitação, o projeto de lei que institui no País o Estatuto da Igualdade Racial foi aprovado nesta quarta-feira, 16, no Senado, em votação simbólica, e entrará em vigor logo que for sancionado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

O substitutivo final negociado pelo governo e pelo relator Demóstenes Torres (DEM-GO) suprimiu do texto a previsão de cotas para negros na educação, serviço público e privado e nos partidos políticos. Deixou, ainda, de fora o ponto que previa a adoção de política pública de saúde exclusiva para população negra.

Representantes da comunidade negra, chegaram a ensaiar um protesto pela manhã, quando da aprovação da proposta na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ). O tom contrário deu lugar à receptividade, quando ouviram as explicações do autor do projeto, senador Paulo Paim (PT-RS), do ex e do atual ministro da Igualdade Racial, respectivamente deputado Edson Santos (PT-RJ) e Elói Ferreira de Araujo. Segundo eles, embora não seja o ideal, o estatuto retrata 90% dos anseios dos movimentos negros do País.

O ministro e o deputado asseguram que, ao definir como política pública a implementação de programas de ações afirmativas, o estatuto dará condições ao governo de regulamentar por decreto a adoção de cotas ou outro tipo de bonificação em favor da população negra.

"Fazer um cavalo de batalha em cima das cotas, quando a ação afirmativa está assegurada, é pouco inteligente", afirmou o deputado. "A proposta foi negociada com todo o governo, até porque não teria sentido adotar medidas sem esse tipo de apoio", destaca ele.

O ministro da Igualdade Racial avalia que a aprovação do estatuto "foi uma vitória da Nação brasileira" porque reflete "o melhor entendimento possível em torno do assunto". O senador Paulo Paim disse que "não vai jogar a toalha com a aprovação do estatuto" e que continuará defendendo os direitos dos negros.

Conflitos

Durante a negociação do projeto, o relator Demóstenes Torres manteve a posição de não acatar medidas que, na sua opinião, resultaria no acirramento dos conflitos relacionados à cor da pele.

O senador citou como exemplo a adoção de cotas no serviço público ou privado, mediante a oferta de incentivos fiscais para empresas, o que - na sua opinião - resultaria na demissão de trabalhadores brancos pobres para contratação de negros.

Nos casos não previstos na Constituição, ele trocou a menção de "raça" pela de etnia, "para combater a falsa ideia de que existe outra raça, além da raça humana". Foi ainda contrário ao uso da expressão "fortalecer a identidade negra", por entender que não existe uma identidade paralela à identidade branca.

"O que existe é uma identidade brasileira", defende. "Apesar de existentes, o preconceito e a discriminação no País não serviram para impedir a formação de uma sociedade plural, diversa e miscigenada, na qual os valores nacionais são vivenciados pelos negros e pelos brancos".

A mulher e a Educação

Antonieta de Barros: mulher, educadora e política

"Toda ação requer instrumento. E o instrumento máximo da vida é a instrução... E só vive, no sentido humano da palavra, o que pensa. Os outros se movem, tão somente".
( Antonieta de Barros-1933)

Filha de Rodolfo e Catarina de Barros, Antonieta de Barros nasceu em Florianópolis, Santa Catarina em 11 de julho de 1901.De família humilde muito cedo se tornou órfã de pai. Antonieta, filha de lavadeira, foi alfabetizada com cinco anos e, ao sete foi matriculada na Escola Lauro Muller para cursar o primário. Ingressou com 17 anos no curso normal com ajuda de um influente amigo da família. Sua vocação para o magistério mobilizou-a pela criação , em sua residência, de um curso para alfabetizar crianças carentes. Denominado "Curso Particular Antonieta de Barros" funcionou de 1922 à 1964 na rua Fernando Machado, número 32, no centro de Florianópolis.

No ano de 1933, com notável conhecimento da literatura e língua portuguesa, foi nomeada professora da Escola Complementar Lauro Muller. Em 1934 foi efetivada como professora da Escola Normal Catarinense. Lecionou no Colégio Coração de Jesus e no Instituto Estadual de Educação, este último dirigiu de 1944 à 1951 quando de sua aposentadoria.

Sua atuação como jornalista inicia-se em 1922 com a fundação do jornal "A Semana". Escreveu para vários jornais e, no ano de 1937, com o pseudônimo de Maria da Ilha publicou "Farrapos de idéias" onde reúne suas crônicas.

Influente, e com idéias firmes em defesa do magistério e do direito à educação para os menos favorecidos, em 1934 apresenta seu nome para a Constituinte Estadual concorrendo pelo Partido Liberal. Foi a primeira mulher a participar do processo constituinte no estado de Santa Catarina e foi eleita deputada estadual com 35.484 votos. Atuou como parlamentar até o ano de 1937 quando o então presidente Vargas determinou o fechamento do Congresso Nacional e das Assembléias Legislativas.

Retornou à política em 1948, como primeira suplente convocada à Assembléia Legislativa, atuando pelo Partido Social Democrático. Defendeu os professores e a implantação de concursos públicos para a categoria; apresentou projetos para a escolha de diretores de escolas e que propõe bolsas escolares para os cursos superiores.

Antonieta de Barros faleceu no dia 18 de março de 1952, aos 51 anos. E assim como sua irmã, a professora Leonor de Barros, empresta seu nome para Escolas e logradouros públicos. Chama-se também Antonieta de Barros, o túnel de Florianópolis e a medalha concedida anualmente pela Assembléia Legislativa a mulheres com relevantes serviços prestados em defesa dos diretos da mulher catarinense.

Por Oscar Henrique Cardoso, Especial para o Portal Palmares

RESISTÊNCIA NEGRA

Ubirajara Fidalgo - ator e dramaturgo -
foi precursor em levar o debate racial para dentro dos palcos

- Ubirajara Fidalgo, criador do TEPRON - Teatro Profissional do Negro - nasceu no Maranhão, e já aos 17 anos, despertou para o fato de que era um "negro falso", como ele mesmo dizia: era necessário ter uma conscientização de sua origem e de sua própria raça.

Em 1968, ainda em São Luis, ingressou no curso de iniciação teatral de Jesus Chediak e daí não parou mais.

Já em 69, realizou o curso de Formação de Atores na Universidade do Maranhão, dando continuidade do curso na Universidade do Rio de Janeiro, e em 1970, participou do Seminário Permanente com o Professor Ronaldo Carijó, onde participou do Ballet Descobrimento do Brasil, com música do maestro Heitor Villa-Lobos.

No ano seguinte, em 71, inicia o curso de preparação de Artes Cênicas com o professor N. de Paiva, promovido pelo Serviço Nacional de Teatro - SNT. Neste mesmo ano, é premiado como melhor ator pela sua expressão corporal no infantil de Pedro Porfírio, dirigido por Procópio Mariano: Faça Alguma Coisa Pelo Coelho, Bicho!

Em 72 passa a ser presença constante em mesas de debates sobre a problemática da raça negra, sendo também convidado para entrevistas em rádio e tv. No ano seguinte, monta o infantil Os Gazeteiros, com um elenco todo formado por atores negros realizava então o seu grande ideal: "Queria ver negros interpretando papéis de cidadãos!"

Seu casamento em 28 de Janeiro de 74 com Alzira Fidalgo, vem solidificar sua brilhante trajetória. O grupo de teatro TEPRON foi a maneira encontrada por Ubirajara para chamar a atenção das pessoas para a falta de espaço para um ator negro. Durante 3 anos, cerca de 300 alunos de teatro passaram pela escola de Fidalgo. Este escritor e autor maranhense sempre teve a preocupação em fazer um trabalho que refletisse também sua condição de negro.

Logo após ter escrito Tuti, em 73, procurou negros famosos para avaliar seu trabalho e para juntos, criarem um espaço alternativo como opção profissional: "Todos, a princípio, ficaram fascinados com a idéia, mas desistiram ante a dificuldade em conseguir verbas", afirmava.

Fidalgo continuou apostando na possibilidade de comercialização da dramaturgia negra e conseguiu provar que estava certo! Na estréia do monólogo Desfuga, em 82 (em cartaz durante 3 anos), sob os aplausos do público, confirmou que é possível um teatro comercial com uma temática envolvente e estimulante como a da consciência racial.

Por Aida Josefina de Honório, Especial para o Portal Palmares

AMOR AO SAMBA

Paulo da Portela, amor e poesia para o samba carioca

- Paulo Benjamin de Oliveira tem sua história confundida com o surgimento e a fixação do próprio samba na cidade do Rio de Janeiro. De origem negra e proletária, vivendo no subúrbio carioca de Oswaldo Cruz, logo percebeu a importância desse gênero musical e a possibilidade de organização e valorização de sua gente a partir do samba. Nascido em 17 de junho de 1901 (comemoramos seu centenário em 2001), na Santa Casa de Misericórdia, era filho de Joana Baptista da Conceição e Mário Benjamin de Oliveira, que mais tarde abandonaria a mulher e os três filhos, tornando-se uma figura nebulosa na vida de Paulo. Paulo só teve a instrução primária e trabalhou desde cedo para ajudar a família que mudou-se para Oswaldo Cruz no início dos anos 20. O subúrbio de então era comparado a uma roça, sem estrutura apropriada para abrigar a população de baixa renda. Porém, os pobres se divertiam em fandangos e em animados pagodes. Como muitos moradores vinham do Estado do Rio ou de Minas Gerais, cultivava-se o Jongo e o Caxambu.

Aos 20 anos de idade, Paulo já era conhecido por suas boas maneiras e jeito elegante em se vestir, apesar dos poucos recursos. Freqüentador assíduo de festas, ajudava em suas organizações tendo fundado o primeiro bloco (e pretenso rancho como o costume da época) de Oswaldo Cruz: o Ouro Sobre Azul. Os pais de Natal, que viria a ser, muito mais tarde, presidente da G.R.E.S. Portela, relacionavam-se com alguns sambistas do bairro do Estácio, entre eles os jovens bambas Ismael, Aurélio, Baiaco e Brancura, que passaram a travar relacionamento com Paulo.

Em 1922, ao lado dos companheiros Antônio Rufino dos Reis e Antônio da Silva Caetano, Paulo fundou o bloco Baianinhas de Oswaldo Cruz. Vem dessa época o nome artístico Paulo da Portela (referência à Estrada do Portela), que servia para diferenciá-lo de outro Paulo, também sambista, de Bento Ribeiro. O nome Portela ficou conhecido inicialmente a partir do próprio Paulo. A escola veio depois. Os três companheiros passaram a se reunir sob uma mangueira no número 461 da estrada do Portela, visando uma atividade sócio-cultural que reunisse os amigos. Foi um sucesso e virou uma referência de samba no bairro.

No dia 11 de abril do ano de 1926, fundou-se o Conjunto Carnavalesco Escola de Samba de Oswaldo Cruz. Antes de estabelecer-se na Estrada do Portela, a futura agremiação teve muitas sedes provisórias. A mais curiosa foi um vagão do trem que partia da Central do Brasil às 6:04h em direção ao subúrbio, onde os sambistas se reuniam diariamente para passar o samba. Um grupo saía de Oswaldo Cruz para encontrá-los pontualmente na Central do Brasil e dar início à atividade. Aos domingos, todos conheciam os sambas ensaiados durante a semana. Conta-se que Paulo advertia quem se comportava mal e dava bom exemplo usando terno, gravata e chapéu, sendo seguido por alguns companheiros. "Seu" Paulo, como fazia questão de ser chamado, gostava de ver todos com "pés e pescoços ocupados". Paulo da Portela tinha consciência de que a atividade artística que produziam era rica e poderia tornar-se profissional, daí a preocupação em diferenciar a imagem do sambista do malandro vadio perseguido pela polícia. Paulo era conhecido por "professor" e é assim que muitos sambistas, ainda hoje, se referem a ele.

A Portela apresentou-se pela primeira vez com o nome "Quem Nos Faz É O Capricho", no carnaval de 1930. A partir de 1931, desfilou com o nome de "Vai Como Pode". A partir do dia 1 de março de 1935, a escola assumiu o nome G.R.E.S. Portela, a pedido de um delegado de polícia que não gostava do antigo nome.

Inúmeros depoimentos dão testemunho da criatividade, inteligência e liderança de Paulo da Portela, de fato um verdadeiro professor que, apesar do baixo nível de escolaridade, lia muito e expressava-se muito bem, capaz de memoráveis discursos improvisados. Seus sambas cantam o próprio samba e o jeito simples da vida suburbana, cantam o amor da forma mais singela e terna, exaltam a mulher e a cidade que o conheceu e o aplaudiu. Paulo da Portela foi um sambista, mas também um cronista de sua gente simples que tanto soube valorizar.

Paulo afastou-se de sua escola querida em 1941 após desentendimento em pleno desfile, saindo magoado como revelam os versos de O Meu Nome Já Caiu No Esquecimento: O meu nome já caiu no esquecimento/ O meu nome não interessa a mais ninguém/ E o tempo foi passando/ E a velhice vem chegando/ Já me olham com desdém/ Ai quantas saudades/ De um passado que se vai no além/ Chora, cavaquinho, chora/ Chora, violão, também/ O Paulo no esquecimento/ Não interessa a mais ninguém/ Chora, Portela/ Minha Portela querida/ Eu que te fundei/ Serás minha toda vida.

Paulo saiu da Portela e levou seu carisma para a Lira do Amor, pequena escola que o recebeu de braços abertos. Poderia ter ido para o Estácio ou a Mangueira, onde tinha companheiros como o compositor Cartola, mas já era muito conhecido e foi emprestar seu nome e sua imagem a Lira do Amor, escola de Bento Ribeiro.

Paulo faleceu em 31 de janeiro de 1949, vítima de um ataque cardíaco. Seu cortejo fúnebre foi acompanhado por cerca de 15.000 pessoas. O comércio de Madureira fechou na véspera de mais um carnaval para chorar de saudade por seu poeta e professor.

Nas inúmeras rodas de samba que alegram a cidade, Paulo da Portela é lembrado pelos versos de O Quitandeiro (samba cuja segunda parte é assinada por Monarco, compositor e integrante da Velha Guarda da Portela). Cocorocó é outro divertido samba, para sempre registrado na voz de Clementina de Jesus.

No ano de seu centenário de nascimento, esperava-se uma homenagem maior da agremiação que ajudou a fundar. Mas a Portela não correspondeu aos desejos dos admiradores da obra de Paulo da Portela. No carnaval de 2001, o professor foi homenageado pelo bloco Mis a Mis com o enredo "De Pés e Pescoços Ocupados".

Edição: Oscar Henrique Cardoso, ACS/FCP/MinC