domingo, 31 de outubro de 2010

POR ZÉ KATRACA

Silvio Santos

JULIO MUSTAFÁ

O filho de Presidente Marques – Abunã

Há alguns anos “perseguimos” o seu Júlio Mustafá no sentido de conseguirmos entrevista-lo. Para nossa surpresa, domingo passado dia 24, quando fomos fazer as fotos que ilustraram a entrevista com a dona Nega do Yara Bar, encontramos Júlio Mustafá na rua Osório e durante um bate papo, cobramos a entrevista, então ele concordou em gravar. Ficamos de entrar em contato no decorrer da semana para marcar a gravação, acontece que durante a conversa preliminar seu Júlio começou a falar sobre as histórias passadas em Presidente Marques que para quem não sabe, era o nome oficial da Vila de Abunã local onde seu Julio nasceu e se criou. Como estava com o gravador pedi licença liguei o aparelho e enquanto o fotógrafo Juliano clicava sua câmera registrando os gestos do seu Júlio fomos explorando a história desse filho de árabe que perguntado se era rico respondeu: “Sou filho de árabe e todo árabe tem aquela impressão que pode ter muitas mulheres, então, gastei e gastei bem!”

Foi então que questionei se frequentava os bordéis que existiam a época a resposta foi diplomática: “Depois que vim pra cá fiquei um pouco devasso, gostava mesmo era da Taba do Cacique, o pessoal tinha um procedimento muito negativo sobre a Taba. A Taba do Cacique quando nasceu era um ambiente familiar. Uma mulher só ia à tua mesa, se tu permitisses. O Carmênio nos recebia muito bem assim como o garçom Carlito”

O interessante foi que assim que nos despedimos e já estávamos um pouco distante, ele gritou: “Preciso gravar outra entrevista para contar sobre a viagem de Guajará Mirim a Porto Velho”. Enquanto isso, vamos acompanhar o que temos.



ENTREVISTA

Zk – É verdade que o senhor nasceu na Vila de Abunã?

Júlio Mustafá – Quando nasci o nome ainda era Presidente Marques meu pai Said Mustafá era comerciante lá.



Zk – Vamos falar sobre o seu pai?

Júlio Mustafá – Meu pai nasceu em Jerusalém. É interessante a vinda do meu pai para esta região. Ele era palestino e saíram três irmãos porque o meu avô não queria que eles fossem para a guerra, então, saíram os três. Um ficou na França, outro foi para São Paulo e meu pai veio para Fortaleza do Abunã tutelado por Constantino Gorayeb. Até hoje não entendo porque o Constantino o tutelou até os 26 anos de idade.





Zk – Quer dizer que aos 26 anos de idade seu pai deu o grito de liberdade e foi viver por conta?

Júlio Mustafá – É mais ou menos por aí. Aos 26 anos ele veio para Abunã que a época era Presidente Marques. Em Presidente Marques ele conheceu minha mãe. O fato interessante desse encontro foi que ele não casou, se amigou porque ele já tinha filhos e sabe como é, naquela época existia muito discriminação. Fui o primeiro filho homem do casal.



Zk – Nasceu quando?

Júlio Mustafá – Nasci no dia 30 de abril de 1926 durante a noite. Quem fez o parto foi dona Santinha uma parteira muito hábil em Presidente Marques Distrito Judiciário do Município de Guajará Mirim 90 km menos da embocadura do Rio Beni.



Zk – Quer dizer que o senhor é matogrossense?

Júlio Mustafá – Sou matogrossense de coração. Presta atenção no poema “As Armas de Mato Grosso” – Brasão de minha terra/Tu que ostentas o ouro do pátrio solo abençoado/Verdor dessas matas opulentas desses campos onde vivem o gado/Tu cujo céu nos representa a expedição do Bandeirante ousado/Relembrando as emoções sanguinolentas dos heróis que nos bordam um passado ideal/No surto dessa fênix estupenda/Brasão de minha terra como és lindo e imorredouro/Verbo da tua fugida elegante/Confiamos na virtude e no ouro.



Zk – O senhor foi comerciante em Abunã. Esse comercio foi herança do seu pai?

Júlio Mustafá – Não, não herdei do meu pai. Meu pai morreu no dia 31 de dezembro de 1941 e no dia 1º de dezembro do mesmo ano me empreguei na Estrada de Ferro Madeira Mamoré onde fiquei trabalhando durante dez anos, ou seja, de 1941 a 1951.



Zk – Qual era o seu trabalho na EFMM?

Júlio Mustafá – Meu serviço era desobstrução de linha



Zk – E o que é isso?

Júlio Mustafá – É trabalhar o descarrilamento dos trens. Minha área de atuação ia de Jacy Paraná a Guajará Mirim. Eu tinha uma locomotiva sob minha responsabilidade que tinha tudo quanto era ferramenta para prestar ocorro num descarrilamento de um trem. Eu era o maquinista da máquina também. Minha missão era desobstruir a linha férrea, se dessa para encarrilhar eu encarrilhava e se via que não dava, jogava fora dos trilhos. O importante era manter o tráfego.



Zk – Depois de 1951 o senhor passou a trabalhar com que?

Júlio Mustafá – Aí fui comerciar por conta própria. Em 1958 vim para Porto Velho e 1963 fui pra São Paulo de onde voltei em 1969 com uma empresa de ônibus.



Zk – Por que o senhor fechou a empresa de ônibus a Viação Abunã?

Júlio Mustafá – O grande responsável pelo fechamento da nossa empresa de ônibus a Viação Abunã que fazia viagem entre Porto Velho, Guajará Mirim e Rio Branco no Acre, foi o fechamento do garimpo manual de cassiterita que a época proporcionava um movimento fabuloso. Imagine você que o que fechou o garimpo manual de cassiterita foi uma Portaria Ministerial não foi nenhum decreto e nem lei.



Zk – Quanto tempo a Viação Abunã ficou trafegando?

Júlio Mustafá – Foram quatro anos. Com o fechamento do garimpo tivemos que fechar porque não tinha fluxo de passageiros suficiente para manter as despesas e então liquidamos a empresa Viação Abunã Ltda. Éramos três sócios, Eu o Silvio e o José de Lima Verde.



Zk – Depois disso o senhor passou a trabalhar com o que?

Júlio Mustafá – Depois fui convidado pelo Tufy Matny e pelo Humberto Corrêa e montamos o primeiro supermercado de Porto Velho.



Zk – Esse supermercado foi instalado aonde?

Júlio Mustafá – Na realidade abrimos dois supermercados. Um na D. Pedro II com a Mal. Deodoro e o outro na Lauro Sodré com a Campos Sales no bairro da Olaria. Me desentendi com o Humberto Corrêa e então arrendei a Padaria do Raposo.



Zk – O senhor lembra quando a padaria do Raposo pegou fogo. Foi antes do incêndio do Mercado Municipal?

Júlio Mustafá – Na realidade quando o fogo destruiu a Padaria do Raposo e o Mercado Municipal eu não estava aqui, estava m orando em São Paulo.





Zk – O senhor veio de São Paulo para fazer o que em Porto Velho?

Júlio Mustafá – Vim ser gerente do Expresso Araçatuba, depois gerenciei a empresa Transporte Cocal S/A. A Cocal tinha uma frota muito grande aqui, eles compravam os veículos através da Zona Franca de Manaus e eu os desembaraçava aqui e mandava os documentos para Criciúma onde era a sede da empresa. Eles eram do Grupo Eliane muito forte, os Kaisinski eles me tinham uma estima muito grande, tanto que quando encerram as atividades aqui, queriam me levar. Não fui com medo de não me aclimatar novamente.



Zk – Vamos voltar a Abunã. O senhor ainda pegou o tempo dos grandes seringalistas?

Júlio Mustafá – Peguei sim! Os bonzões eram o velho Otávio dos Reis, Geraldo Perez, Vitor Sadeck e Antônio Augusto da Rocha, esses eram os mais importantes, eles me dispensavam consideração muito grande, porque praticamente lá em Abunã quem mexia com a Madeira Mamoré era eu, eles precisavam de vagões para transportar a borracha, 500/600 toneladas e por isso me procuravam. O velho Geraldo Perez tinha grande consideração por mim.



Zk – O senhor trabalhou como embarcadiço nos batelões que trafegavam no rio Abunã?

Júlio Mustafá – Essa minha façanha foi o seguinte: Eu era praticante de telegrafia e teve uma concorrência e quem venceu foi o Joaquim Pereira que já conhecia meu trabalho como praticante de telegrafista. Na primeira viagem ele foi sozinho mas, na segunda ele me conquistou e eu subi com ele.



Zk – Como lhe conquistou?

Júlio Mustafá – Porque ele me fez um salário de 150 Contos de Réis. Naquele tempo eu ganhava 30 Contos de Réis trabalhando nos Correios, aí ninguém me segurou fui embora. Fui com ele de Abunã a Plácido de Castro por água, isso em 1939. Nós estávamos no porto de Extrema quando estourou a 2º Guerra Mundial.



Zk – O que Joaquim Pereira transportava?

Júlio Mustafá – Ele fazia o serviço de Regatão. Ele tinha uma Galeota que transportava borracha, couro e pele de animais silvestres, castanha ele não trazia porque era muito volumoso. Fiquei na viagem com ele seis meses. Quando voltei para Abunã foi como capitalista, pois, trouxe 900 Contos de Réis de saldo. Desci e subi a cachoeira de Fortaleza do Abunã, eu o Severino e o motorista Chico Lambança.

N.R - Conto de réis é uma expressão adotada no Brasil e em Portugal para indicar um milhão de réis.. Sendo um conto de réis correspondia a mil vezes a importância de um mil-réis que era a divisionária, grafando-se o conto por Rs. 1:000$000 ou R$ 1,000000 (sendo o real 1/1.000.000 de um conto-de-réis em representação matemática decimal atual), pois o réis tinha sua representação real-imperial em "milésimos-de-mil" contos-de-réis), sendo uma moeda de grande-valor intrínseco e imperial, com representatividade em aproximadamente oito gramas de ouro. No Brasil, esta moeda foi substituída pelo cruzeiro em 1942, na razão de 1 cruzeiro por mil-réis então circulantes (fonte Wilkipédia).



Zk – Voltando ao funcionário da estrada de ferro. Por que o senhor saiu da Madeira Mamoré?

Júlio Mustafá – Saí porque me desentendi com o Jorge Caldeira Abrante que era o engenheiro residente em Presidente Marque – Abunã. Para você entender, criei uma amizade muito grande com o Dr. Brante. Só fiz aquilo com ele por que fui praticamente forçado.



Zk – Fez o que com ele?

Júlio Mustafá – Dei um tapa nele. Acontece que ele veio me repreender diante de muita bgente e eu não aguentei tamanha humilhação e mandei a mão na cara dele. Aí o Dr. Hidelgard me chamou ao telefone dizendo que eu estava suspenso e seria transferido. Então falei pra ele, nem suspenso e nem transferido, porque não tenho nada que depender de vocês, a partir de hoje não trabalho mais na Estrada de Ferro Madeira Mamoré.



Zk – E foi criar trataruga?

Júlio Mustafá – Não! Montei um bar. Comprei uma sinuca do Euro Tourinho um Bilhar e fui trabalhar por conta própria.



Zk – E aqui, antes de ir para São Paulo?

Júlio Mustafá – Antes fui comerciante de estivas aqui em Porto Velho em frente ao palácio do governo onde está o Zizi hoje no Mercado Municipal.



Zk – Quem tinha comércio no seu tempo no Mercado Municipal que hoje é o Mercado Cultural?

Júlio Mustafá – Na esquina da José de Alencar tinha o Bar Capixaba, depois o Clodomildo Gomes Bezerra (Bazxar Bezerra), depois teve o avô dessa menina senadora da República a Fátima Cleide. Era assim; Pegado a mim o Joaqui Carvalho e na esquina pela Presidente Dutra o Mário Alves com seu bar.



Zk – O senhor se considerava rico, capitalista?

Júlio Mustafá – Olha, quem tinha dinheiro em Porto Velho. Tô falando em dinheiro, e eu provo com dedclaração de renda não converso fiado. Era o Tufy Matny, João Elias, Teodorino Torquato Dias e Júlio Mustafá.



Zk – Quer dizer que o senhor era milionário?

Júlio Mustafá – O Manuel Português dono da sapataria Moderna cansou de amanhecer o dia na minha porta pedindo dinheiro emprestado. Era Cinco Mil Cruzeiros e muito mais. Naquele tempo a gente vivia traquilo, não tinha a violencia de hoje. Guardavamos dinheiro em casa como no banco. O pior de tudo é que a corsa ficava junta. O Tufy gostava de mim como o diabo, João Elias Araf virou meu compadre. Quando cheguei aqui morei num apartamento que ficava em cima de um salão de cabeleireiro que ficava em frente a casa do João Elias.


Zk – O que tinha de interessante na casa do João Elias?

Júlio Mustafá – Era que toda madrugada o pessoal, os chamado “Catega” e os comerciantes ricos chegavam para tomar café na casa dele. Coronel Enio dos Santos Pinheiro, Humberto Corrêa e muitos outros.



Zk – O senhor falou o nome de uma pessoa que era admirada pelo guaporeenses e rondonienses Coronel Enio Pinheiro. Ele teve alguma coisa a ver com o desaparecimento do Tenente Fernando?

Júlio Mustafá – Me dava muito com o Coronel Aluizio Ferreira. O caso do Tenente Fernando foi muita exploração política, todas as vezes que tinham eleições puxavam o caso do Tenente Fernando.



Zk – O senhor sabe o que provocou o desaparecimento do Tenente Fernando?

Júlio Mustafá – Acontece que quando ele desapareu disseram que o Enio dos Santos Pinheiro juntamente com o Aluizio Ferreira mandaram matar o tenente Fernando. Não foi! O Enio Pinheiro era uma pessoa de boa índole, o conheci quando ele chegou aqui como Capitão e ficou hospedado no Porto Velho Hotel (hoje é a UNIR Centro) o Aluizio Ferreira também não seria capaz de fazer ou ordenar uma coisa dessas.



Zk – O senhor é casado?

Júlio Mustafá – Sou casado desde julho de 1953, com a dona Yolanda Torres Mustafá que mora em Brasília com a minha filha Nurgian que é aposentada e com meu filho Júlio Sérgio Mustafá que administra parte de uma faculdade de propriedade da sogra dele, tem o Cezar Júlio Torres Mustafá mais conhecido que escama de peixe em Porto Velho como Cezinha e em São Paulo mora minha filha Izabel Nair Torres Mustafá.



Zk – Para encerrar. Seu Júlio Mustafá hoje vive de aplicação?

Júlio Mustafá – Vive de algumas açõeszinhas. Aplicação não porque fui muito gastador, não nego, sou filho de arabe e todo arabe tem aquela impressão que pode ter muitas mulheres, então gastei e gastei bem! Sou aposentado pelo INSS e depois do incidente com o Aderbal me indicaram para administrar os imóveis dele e ele me contratou, ele morreu e os meninos me mantiveram aqui nesse prédio da General Osório que agora já tem novos donos e esses donos me mantiveram na administração. Porém, por recomendações médicas até dezembro devo ir embora daqui.



Zk – Por que?

Júlio Mustafá – Tive um AVC e o Dr. Jacob foi me visitar e recomendou: Vou falar pra você como irmão, como médico e como amigo: “Noventa e cinco por cento da tua reabilitação está fora daqui de Rondônia”. Acontece que só quero ir quando puder andar mais um pouco.



MUSTAFA-