Paulo da Portela, amor e poesia para o samba carioca
- Paulo Benjamin de Oliveira tem sua história confundida com o surgimento e a fixação do próprio samba na cidade do Rio de Janeiro. De origem negra e proletária, vivendo no subúrbio carioca de Oswaldo Cruz, logo percebeu a importância desse gênero musical e a possibilidade de organização e valorização de sua gente a partir do samba. Nascido em 17 de junho de 1901 (comemoramos seu centenário em 2001), na Santa Casa de Misericórdia, era filho de Joana Baptista da Conceição e Mário Benjamin de Oliveira, que mais tarde abandonaria a mulher e os três filhos, tornando-se uma figura nebulosa na vida de Paulo. Paulo só teve a instrução primária e trabalhou desde cedo para ajudar a família que mudou-se para Oswaldo Cruz no início dos anos 20. O subúrbio de então era comparado a uma roça, sem estrutura apropriada para abrigar a população de baixa renda. Porém, os pobres se divertiam em fandangos e em animados pagodes. Como muitos moradores vinham do Estado do Rio ou de Minas Gerais, cultivava-se o Jongo e o Caxambu.
Aos 20 anos de idade, Paulo já era conhecido por suas boas maneiras e jeito elegante em se vestir, apesar dos poucos recursos. Freqüentador assíduo de festas, ajudava em suas organizações tendo fundado o primeiro bloco (e pretenso rancho como o costume da época) de Oswaldo Cruz: o Ouro Sobre Azul. Os pais de Natal, que viria a ser, muito mais tarde, presidente da G.R.E.S. Portela, relacionavam-se com alguns sambistas do bairro do Estácio, entre eles os jovens bambas Ismael, Aurélio, Baiaco e Brancura, que passaram a travar relacionamento com Paulo.
Em 1922, ao lado dos companheiros Antônio Rufino dos Reis e Antônio da Silva Caetano, Paulo fundou o bloco Baianinhas de Oswaldo Cruz. Vem dessa época o nome artístico Paulo da Portela (referência à Estrada do Portela), que servia para diferenciá-lo de outro Paulo, também sambista, de Bento Ribeiro. O nome Portela ficou conhecido inicialmente a partir do próprio Paulo. A escola veio depois. Os três companheiros passaram a se reunir sob uma mangueira no número 461 da estrada do Portela, visando uma atividade sócio-cultural que reunisse os amigos. Foi um sucesso e virou uma referência de samba no bairro.
No dia 11 de abril do ano de 1926, fundou-se o Conjunto Carnavalesco Escola de Samba de Oswaldo Cruz. Antes de estabelecer-se na Estrada do Portela, a futura agremiação teve muitas sedes provisórias. A mais curiosa foi um vagão do trem que partia da Central do Brasil às 6:04h em direção ao subúrbio, onde os sambistas se reuniam diariamente para passar o samba. Um grupo saía de Oswaldo Cruz para encontrá-los pontualmente na Central do Brasil e dar início à atividade. Aos domingos, todos conheciam os sambas ensaiados durante a semana. Conta-se que Paulo advertia quem se comportava mal e dava bom exemplo usando terno, gravata e chapéu, sendo seguido por alguns companheiros. "Seu" Paulo, como fazia questão de ser chamado, gostava de ver todos com "pés e pescoços ocupados". Paulo da Portela tinha consciência de que a atividade artística que produziam era rica e poderia tornar-se profissional, daí a preocupação em diferenciar a imagem do sambista do malandro vadio perseguido pela polícia. Paulo era conhecido por "professor" e é assim que muitos sambistas, ainda hoje, se referem a ele.
A Portela apresentou-se pela primeira vez com o nome "Quem Nos Faz É O Capricho", no carnaval de 1930. A partir de 1931, desfilou com o nome de "Vai Como Pode". A partir do dia 1 de março de 1935, a escola assumiu o nome G.R.E.S. Portela, a pedido de um delegado de polícia que não gostava do antigo nome.
Inúmeros depoimentos dão testemunho da criatividade, inteligência e liderança de Paulo da Portela, de fato um verdadeiro professor que, apesar do baixo nível de escolaridade, lia muito e expressava-se muito bem, capaz de memoráveis discursos improvisados. Seus sambas cantam o próprio samba e o jeito simples da vida suburbana, cantam o amor da forma mais singela e terna, exaltam a mulher e a cidade que o conheceu e o aplaudiu. Paulo da Portela foi um sambista, mas também um cronista de sua gente simples que tanto soube valorizar.
Paulo afastou-se de sua escola querida em 1941 após desentendimento em pleno desfile, saindo magoado como revelam os versos de O Meu Nome Já Caiu No Esquecimento: O meu nome já caiu no esquecimento/ O meu nome não interessa a mais ninguém/ E o tempo foi passando/ E a velhice vem chegando/ Já me olham com desdém/ Ai quantas saudades/ De um passado que se vai no além/ Chora, cavaquinho, chora/ Chora, violão, também/ O Paulo no esquecimento/ Não interessa a mais ninguém/ Chora, Portela/ Minha Portela querida/ Eu que te fundei/ Serás minha toda vida.
Paulo saiu da Portela e levou seu carisma para a Lira do Amor, pequena escola que o recebeu de braços abertos. Poderia ter ido para o Estácio ou a Mangueira, onde tinha companheiros como o compositor Cartola, mas já era muito conhecido e foi emprestar seu nome e sua imagem a Lira do Amor, escola de Bento Ribeiro.
Paulo faleceu em 31 de janeiro de 1949, vítima de um ataque cardíaco. Seu cortejo fúnebre foi acompanhado por cerca de 15.000 pessoas. O comércio de Madureira fechou na véspera de mais um carnaval para chorar de saudade por seu poeta e professor.
Nas inúmeras rodas de samba que alegram a cidade, Paulo da Portela é lembrado pelos versos de O Quitandeiro (samba cuja segunda parte é assinada por Monarco, compositor e integrante da Velha Guarda da Portela). Cocorocó é outro divertido samba, para sempre registrado na voz de Clementina de Jesus.
No ano de seu centenário de nascimento, esperava-se uma homenagem maior da agremiação que ajudou a fundar. Mas a Portela não correspondeu aos desejos dos admiradores da obra de Paulo da Portela. No carnaval de 2001, o professor foi homenageado pelo bloco Mis a Mis com o enredo "De Pés e Pescoços Ocupados".
Edição: Oscar Henrique Cardoso, ACS/FCP/MinC
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