quarta-feira, 14 de julho de 2010

DIREITO AUTORAL, POLÊMICA Á VISTA

Consulta pública. Debatedores em discussão durante evento no Itaú Cultural, na segunda; lei vai ao Congresso em 14 dias

Ontem, em Salvador, foi o dia de Ivete Sangalo, Daniela Mercury e Margarete Menezes receberem emissários do Ministério da Cultura (MinC). Hoje, às 19 h, no Rio, os representantes de Chico Buarque, Roberto Carlos, Caetano Veloso, Marisa Monte, Adriana Calcanhotto, Zeca Pagodinho, Vanessa da Matta, Paralamas, Ana Carolina e Lenine sabatinam representantes do governo. Na sexta, o MinC já tinha sido inquirido por Roberto Frejat, Jards Macalé e Fernanda Abreu, também no Rio.

Está circulando freneticamente pelo País a "Escolinha do Direito Autoral". O PIB artístico da MPB está convocando seus pares para reuniões com representantes do Ministério da Cultura com o intuito de conhecer detalhes da nova Lei do Direito Autoral, que está em fase de consulta pública, recebendo contribuições e sugestões.

A nova legislação tem angariado simpatias de grande parte do mundo artístico, mas também causa divisões curiosas. Por exemplo: o ex-ministro Gilberto Gil é amplamente favorável à reforma da Lei de Direitos Autorais. Já a mulher dele não está tão convencida. "Flora gostaria muito de contar com a sua participação no encontro que será realizado com Marcos Souza e José Herência, ambos do Ministério da Cultura, para esclarecimentos por parte do MinC sobre as alterações propostas na Lei Autoral", dizia o e-mail em que a empresária Flora Gil convocava na semana passada os representantes de Chico, Caetano, Roberto Carlos, Marisa Monte, Zeca e outros artistas para um debate na Gege Produções, na Estrada da Gávea, hoje, às 19 horas.

"Ninguém está fugindo ao debate. Afinal, vivemos numa democracia ou o quê?", dizia Ivan Lins em declaração escrita lida por um integrante do debate O Autor, o Artista e o Direito Autoral, no Itaú Cultural, em São Paulo, na segunda-feira. "As entidades devem proteger o autor, e não a elas", continuava Lins, a propósito da nova legislação. Mas, na plateia, Vitor Martins, maior parceiro de Ivan, mostrava-se cético em relação às propostas do governo.

Com posição francamente contrária à revisão da legislação (9.610/98), a Associação Brasileira de Música e Artes (Abramus) e outras 23 entidades criaram o Comitê Nacional de Cultura e Direitos Autorais (CNCDA) para alertar sobre "o risco de estatização dos direitos autorais e do sistema de arrecadação". A criação do comitê contou com o apoio dos cantores Paulo Ricardo, Danilo Caymmi, Walter Franco e Juca Chaves.

A criação do CNCDA foi considerada, em sua fundação, em abril, uma "ação política" para definir "futuras estratégias contra a estatização dos direitos autorais". O presidente da Abramus, Roberto Correa de Mello, busca mobilizar "criadores de todas as áreas para reivindicar seus desejos e buscar a manutenção de seus direitos", nem que seja na Justiça.

"O espírito da legislação é justamente tirar o direito autoral do território judicial. Hoje, tudo parece que tem de virar ação judicial, processo, litígio, e isso tem que mudar", disse José Luiz Herência, secretário de Políticas Culturais do Ministério da Cultura. "Não há nada que signifique estatização nesse projeto. É uma bobagem sem tamanho, coisa de gente que não confia na capacidade de se debater democraticamente."

Herência diz que vê uma "falsa polarização" de alguns setores contra os músicos, e que a abrangência da nova lei é maior do que o debate atual tem mostrado. "A lei atual é omissa em relação a diversos setores, que não se reconhecem no texto vigente. Roteiristas, maestros, arranjadores: todos padecem de uma série de desequilíbrios que a legislação atual permite", considerou. Segundo o dirigente, o projeto "não quer acabar com o Ecad, até porque isso não é possível", e que essa leitura é "maniqueísta".

"Nós sabemos que nossos direitos não são respeitados (na atual legislação)", disse Eneida Soller, presidente do Conselho Brasileiro de Entidades Culturais. Eduardo Saron, do Instituto Itaú Cultural, vê o debate com bons olhos. Segundo Saron, o princípio é democrático. "Se fosse por Medida Provisória, seria uma catástrofe. Mas está sendo por meio de consulta pública, que é um ótimo instrumento."

A menos que haja uma protelação de prazo, a nova Lei do Direito Autoral termina sua fase de consulta pública no dia 28. Em seguida, vai ao Congresso Nacional - anteontem, o governo acenou com a possibilidade de que a discussão se estenda por mais 45 dias. O MinC diz que pretende obter "amplo consenso" antes de levar o texto ao Congresso.

Durante simpósio no Itaú Cultural, que começou na segunda-feira, o governo distribuiu uma cartilha respondendo às acusações mais frequentes que a lei tem sofrido desde sua apresentação, em maio. "O Brasil é caso único na América Latina e no grupo de países com os 20 maiores mercados de música do mundo que não possui estruturas administrativas estatais para supervisionar as associações de gestão coletiva", diz o texto, que defende a criação de um escritório estatal de fiscalização das entidades arrecadadoras (o Instituto Brasileiro do Direito Autoral, Ibda).


PARA ENTENDER
Entre as principais mudanças que trará a nova legislação de Direito Autoral, estão:
1. Cópia legal. A proposta recupera a cópia privada (a possibilidade de fazer uma reprodução legal de uma obra que tenha sido legitimamente adquirida, para uso privado); hoje, até quem baixa música no iPod está fora da lei;

2. Instituto. A lei cria uma instância estatal, o Instituto Brasileiro de Direito Autoral (IBDA), que vai supervisionar as entidades arrecadadoras e mediar e arbitrar conflitos;

3. Fair use. Pela lei, quando não houver interesse dos titulares de obras em reeditar seus trabalhos, o Estado poderá promover essas reedições (é uma versão do fair use americano, que permite o uso de material protegido por direitos autorais para uso educacional, por exemplo);

4. Arrecadação. As associações de arrecadação do direito autoral continuam funcionando da mesma forma que hoje, mas terão de prestar contas ao IBDA e seus dirigentes poderão ter os bens confiscados se houver inadimplência de suas obrigações.