HELENA ALVES DA SILVA
A seringueira vendedora de cheirinho
Quem vê dona Helena vendendo “Cheirinho” pelas ruas de Porto Velho jamais pensa, que aquela senhora humilde, porém muito simpática, tem tanta história pra contar. História de quem tirou lenha para abastecer os navios que faziam a linha Belém/Manaus/Porto Velha e vice versa. História de quem trabalhou nos seringais não apenas acompanhando seus pais e depois seu marido, mas, cortando seringa, defumando e fazendo pela de borracha. História de uma mulher guerreira que aos 81 anos de idade, não quer se acomodar e vive da venda de “Cheirinho” para carro, guarda-roupa e outros ambientes: “Esse cheirinho vem de Satarém”.
Dona Helena bem poderia estar descansando, recebendo uma aposentadoria como Soldada da Borracha, além da pensão do seu marido que também foi Soldado da Borracha. “Não consegui me aposentar como Soldada da Borracha porque não consegui um documento provando que trabalhei cortando seringa. Enquanto conheço muita gente, que está recebendo aposentadoria como Soldado da Borracha que nunca nem olhou para uma seringueira”.
Essa é a verdade burocrática brasileira, ganha quem tem condições de “pagar” por uma documentação que na maioria das vezes é forjada. Dona Helena Alves da Silva não teve condições de comprar a documentação e por isso, não faz jus à aposentadoria como Soldada da Borracha.
Essa falha burocrática não tirou da face da dona Helena o sorriso, não tirou de sua mente o conhecimento e nem a dignidade. Mostra dona Helena que acima de qualquer coisa, o ser humano tem que prezar pela dignidade, tem que se orgulhar do que é e do que faz. Não perguntei sobre sua escolaridade, mas, terminei a entrevista com a certeza de ter conversado com uma intelectual formada na escola da vida.
Que a história de dona Helena sirva de exemplo para as pessoas que não acreditam na vida.
Parabéns pelos seus 81 anos dona Helena Alves da Silva
ENTREVISTA
Zk – A senhora nasceu aonde?
Helena – Nasci na Ilha Grande uma localidade que fica entre Maici e Humaitá no baixo rio Madeira, no dia 4 de setembro de 1929, portanto estou com 81 anos completos.
Zk – Seus pais são da Amazônia?
Helena – Não! Meu pai Manoel Francelino Alves veio da Paraíba e minha mãe Adelina Alves de Jesus veio do ceará, filha de português (pai) e mãe cearense.
Zk – A senhora morou na Ilha Grande até quando?
Helena – Até meus doze anos, depois meu pai fez um sítio em Maici. O velho era trabalhador que só ele. Nesse tempo meu pai pegou contrato e a gente passou a trabalhar tirando lenha para abastecer os navios que navegavam pelo rio Madeira.
Zk – Conte pra gente como era o processo de tirar a lenha para abastecer os navios?
Helena – A gente levantava por volta das duas horas da madrugada, atravessava o rio e entrava naqueles igarapés para tirar lenha. Era assim: meu cortava e a gente carregava para a canoa. Era eu e meus irmãos. Na época éramos cinco, depois foi que nasceu mais dois. Minha mãe não gostava muito disso não.
Zk – Por quê?
Helena – Porque dava muito temporal e era muito perigoso atravessar o rio. De quando a gente embarcava na canoa para ir tirar lenha até voltar, ela ficava em casa rezando, se pegando com tudo que era santo para não acontecer nada com a gente. Sempre ela dizia pro meu pai: “Você ainda vai acabar com meus filhos no meio desse rio”. Todo mundo também cortou seringa.
Zk – Fale sobre a vida de vocês no Seringal?
Helena – Acontece que meu pai brigava muito com o velho Garcia o homem responsável por receber a lenha, na hora de ajustar conta e então certa vez, já cansado de tanto discutir, abandou tudo, veio embora pra Porto Velho. Daqui foi que fomos para o seringal.
Zk – A senhora lembra de quem era o seringal?
Helena – O seringalista era o Otávio Reis. Passei um bocado de tempo cortando seringa, depois me casei. Me casei aqui em Porto Velho com o Francisco Alves Martins, ele trabalhou doze anos no armazém do Tufy Matny, carregando mercadoria, naquele tempo o transporte era só carroça de boi ou de cavalo e carrinho e mão.
Zk – Quer dizer que depois que casou a senhora veio morar em Porto Velho?
Helena – Não! Ainda andamos por muitos seringais entre eles o seringal do seu Euro Tourinho pai desse que é o dono do jornal Alto Madeira hoje. Seu Euro seringalista morreu lá no seringal.
Zk – A senhora lembra qual foi a causa da morte dele?
Helena – Ele foi fazer uma visita no seringal e ninguém soube explicar, depois de ter tomado banho o homem ficou todo roxo e morreu.
Zk – A senhora cortava seringa ou apenas trabalhava em casa?
Helena – Cortei seringa mesmo. Quando vivia com meu pai apenas ia colher o leite da seringueira. Meu pai saia pra cortar de madrugada e a gente saia pra colher o leite quando amanhecia. Agora, depois que me casei passei a ajudar meu marido cortando seringa.
Zk – A que horas vocês saiam pra cortar seringa?
Helena – A levantava por volta das duas horas e ia para a estrada cortar seringa.
Zk – Fale sobre o trabalho do corte da seringa?
Helena – É o seguinte: a gente vai cortando e colocando a tijelinha, seringueira por seringueira. Quando termina a estrada a gente volta pra casa, toma café reforçado e depois vai colher o leite. A colheita do leite dura a manhã toda, depois começa o processo de defumação.
Zk – Aos 81 anos de idade a senhora é aposentada como Soldada da Borracha?
Helena – Não sou aposentada como soldada de borracha por que quando fui procurar a aposentadoria pediram um bocado de documento que comprovasse que eu e meu marido tínhamos trabalho como seringueiro.
Zk – Quer dizer que a senhora não é aposentada?
Helena – Não senhor! Conheço gente aqui que nunca nem olhou uma seringueira, quanto mais cortar seringa e é aposentada como soldado da borracha e eu que trabalhei por muitos e muitos anos não consegui me aposentar porque não tenho um papel dizendo que fui seringueira, isso não está certo. Exigiram testemunha, que eu levasse documento do meu marido (falecido). Naquele tempo poucas pessoas tinham documentos e o pessoal do governo querendo que eu apresentasse documento comprovando que tinha trabalhado como seringueira.
Zk – A senhora estava dizendo que também trabalhou nos seringais do rio Candeias, fale sobre isso?
Helena – Aonde hoje é o município de Candeias do Jamari naquela época, tinha um quartel com apenas dois soldados. Atravessamos aquelas cachoeiras medonhas. A de São Sebastião é a pior delas. O que lembro com saudade daquele tempo, é das pescarias. A gente pegava muito peixe na beira do rio Candeias, principalmente Piranha.
Zk – Como era que a senhora preparava a Piranha?
Helena – Era na água e no sal como diz o beradeiro. Não tinha tempero. Aquela Piranha gorda gostosa. A gente dormia dentro da mata correndo risco de pegar malária. Chegava naqueles pontos assim e via aquele cemitério enorme, a maioria tinha morrido de malária.
Zk – Algum parente seu morreu de malária nos seringais?
Helena – Graças a Deus não. Minha Mãe morreu no seringal Rio Branco, mas, não foi de malária.
Zk – Mesmo trabalhando, tem momentos que a família do seringueiro passa dificuldade, inclusive de alimentação. O que a sua família fazia para suprir essa fase?
Helena – Na realidade, passamos algumas dificuldades quando minha mãe morreu e minhas duas irmãs ficaram pequenas. Para alimentar as crianças, a gente sem experiência tinha que apelar para o que aparecia. Então a gente ia pra mata tirar açaí, patuá, bacaba e bebia aquele vinho com beiju, sem açúcar. A gente penou um bocado.
Zk – Vamos falar sobre a defumação do leite da seringa?
Helena – Meu marido chegava com o leite e as vezes dizia, vou tirar açaí, enquanto ele estava na mata tirando açaí eu acendia o fogo na fornalha, botava o leite na bacia e eu mesma defumava.
Zk – Qual a melhor madeira para fazer fumaça?
Helena – O melhor mesmo é o côco babaçu.
Zk – As pelas que a senhora defumava pesavam o que?
Helena – Dependia muito. Tinha delas de trinta, quarenta e até cinqüenta quilos.
Zk – Nos seringais por onde a senhora andou tinha muita caça?
Helena – Se tinha! Eu fazia de tudo. Meu marido às vezes chegava em casa com um Veado daqueles Capoeiro e eu mesma pendurava e riscava ele todinho e tirava o couro.
Zk – A carne de Veado é boa. Como é que se prepara?
Helena – É uma carne muito saborosa, que pode ser preparada de todo jeito; guisado, cozida, frita, assada e quando ta gorda é melhor ainda. Às vezes meu marido matava Anta era aquela Anta enorme e então ele chamava a vizinhança e dizia: Matei uma Anta, quem quiser carne tem que ajudar a tratar. Carne de Anta é uma delicia. A gente pegava salgava e espalhava no varal, ela ficava umidazinha e depois assava. Aquilo no pirão de leite de castanha, você comia que ficava triste.
Zk – Como é que se faz o pirão de leite de castanha?
Helena – É só fazer o leite, colocar farinha no prato e despejar o leite da castanha.
Zk – Como a senhora fazia o leite da castanha?
Helena – Tem que descascar a castanha e ralar. Eu ralava no cano da espingarda.
Zk – Ralo no cano da espingarda?
Helena – Sim! A gente pegava um terçado e fazia os dentes do ralo no cano da espingarda, depois você enche a mão de castanha e rala. Coco babaçu eu sei quebrar. O leite de babaçu pra temperar comida é muito gostoso. Meu pai, quando a gente morava aqui no amazonas tinha muita fartura em casa, tinha muita criação no terreiro, era galinha, pato, porco, gado, peru. Tinha vez que quando a gente via saia de dentro do mato àquela porca cheia de bacuri. Todo sábado ele matava um capadão (porco) daquele.
Zk – A senhora falou: Quando a gente morava no Amazonas. Se a senhora sempre morou aqui, porque a citação quando a gente morava no Amazonas?
Helena – Acontece que os seringais do Rio Jacy e Candeias ficavam no Mato Grosso só depois que tudo passou a ser chamado de Amazônia, por isso digo no tempo que a gente morava no Amazonas porque de Porto Velho pra baixo pelo rio Madeira tudo era estado do Amazonas na época.
Zk – Nos seringais onde a senhora trabalhou tinha índio?
Helena – Só ouvia falar que tinha índio por ali, mas, nunca vi nenhum. Tem até uma história engraçada que aconteceu comigo. No rio Negro já pertencendo à Bolívia tinha muita mata na beira e eu tinha muito medo pensando que tinha índio. Certa vez ouvi uma gritaria do outro lado do rio. Aquilo pra mim era índio, saí correndo no rumo de casa, encontrei meu marido no meio do caminho e passei por ele avisando, corre que os índios vêm aí! E ele respondeu: Não é índio não sua tola, são as Lontras que estão subindo e gritando.
Zk – E onça?
Helena – Onça tinha demais! Eu tinha o “Rango” um frangão bonito, quando dei fé, ela tava com o frango atravessado na boca, era uma onça vermelha. Entrei em casa peguei a espingarda e mandei bala “pou”, a bicha deu um pinote de mais de metro e sumiu.
Zk – Quer dizer que a senhora era boa de gatilho?
Helena – Eu matava galinha de tiro, mirava no pescoço e “pou”. Meu marido às vezes estava na vizinhança e quando ouvia o tiro dizia: Lá está a Helena matando galinha. Matei muita nambu azul, nambu galinha tudo de tiro de espingarda e não perdia a carne.
N.R – INAMBU - Também "nambu". Aves da fam. Tinamídeos, gên. As 14 espécies brasileiras deste gênero representam um tipo homogêneo quanto ao feitio, variando apenas de tamanho e um tanto no colorido. Algumas espécies são de cor uniforme, outras têm abundantes desenhos de linhas escuras no dorso e sobre as asas. A cauda ou falta ou é representada por penas tão curtas, que as coberteiras as escondem. Os dois sexos quase que não se diferenciam. São aves que vivem no chão, alimentando-se de frutos e sementes; voam pouco. Os ovos são lisos e lustrosos, de cores verde-azulada ou branco-chocolate.
Zk – Quando foi que a senhora veio morar de vez em Porto Velho?
Helena – O Otávio Reis tinha um sítio aqui em Porto Velho e meu marido veio tomar conta. Acontece que com algum tempo meu marido resolveu voltar para o seringal e então eu disse: Você vai sozinho, porque daqui não vou mais para a mata. Resultado, ficamos morando aqui e meu marido foi trabalhar com o Tufy Matny.
Zk – Seu marido no Tufy e a senhora foi fazer o que?
Helena – Eu passei a ser lavadeira. Lavava roupa pra fora num igarapé que ficava no bairro Mato Grosso se fosse hoje, depois da Ulbra.
Zk – Já que a senhora falou. Como era Porto Velho quando a senhora chegou aqui?
Helena – Ali onde é a Mariza era um matadouro de porco. Morei no KM-1 tudo era mata, só tinha um varadorzinho. Isso pra cá do Mercadinho do KM-1. Fui vizinha da dona Marieta mãe desse sambista Bainha.
Zk – Hoje a senhora vive vendendo “Cheirinho” para carro, guarda-roupa e outro ambientes. Aonde a gente pode lhe encontrar vendendo esses cheirinhos?
Helena – Moro na rua Ana Bela com a Café Filho no bairro Socialista. Sempre estou vendendo no mercado Central. Também faço ponto no Center Norte na rua Brasília, no super mercado Canadá que fica na Afonso Pena com a Rafael Vaz e dia de sábado de manhã, fico na Av. Nações Unidas em frente das lojas. Cada saquinho de cheirinho custa R$ 5.
Zk – Para encerrar. A senhora era cutuba ou pele curta?
Helena – A política aqui toda vida foi assim nojenta, de primeiro ainda era pior, porque tinha muita briga, mandavam pelar a cabeça das pessoas, prendiam, batiam. Eu era da política do Dr. Renato Medeiros portanto, Pele Curta da gema.
zekatraca
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