Síntese de arte popular
Por Ariel Argobe (*)
Quem quiser conferir - tal qual São Tomé: vê para crê -, e admirar com seus próprios olhos, “que um dia a terra há de comer”, como diz o adágio popular, é possível. Sou testemunha ocular. Eu estava lá e vi pessoalmente. O fenômeno acontece mesmo, durante os ensaios do Boi-Bumbá Corre Campo. É impressionante, pois se trata de um acontecimento mágico, gigante e sagrado!
Nesta última quarta-feira, 26 de maio, resolvi fazer um tour cultural, circulando pelos locais de ensaios dos nossos folguedos sediados nos bairros do Areal, Vila Tupi e Nova Floresta, para conferir de perto como andam as brincadeiras de nossos grêmios. Nos currais dos bois Marronzinho e Az de Ouro a cena era de deserto. Não hávia brincantes nem curiosos. O mesmo quadro se repetiu no espaço de shows do Ferroviário, onde ensaia a quadrilha do Bairro Triânglo.
Desistir fácil? Nem pensar! Lembrei-me do bumbá Corre Campo. Voltei para o Bairro Areal, foi direto para o campo da AFA, acompanhar o ensaio do Gigante Sagrado. Lá estavam presentes batuqueiros, músicos, bailarinos e um bom público. A orquestra de instrumento de couro troava, deixando todos animados. Uma fina chuva teimava em cair. Instrumentistas esquentavam a pele (ou napa) de seus surdos, batendo com força ritmada. Meu coração começo a pular no mesmo ritmo. Aportei na hora.
Espiava tudo e todos. Admirava o fenômeno da materialização do patrimônio cultural imaterial acontecer diante da retina. No centro da quadra um grupo de dançarinos ensaiava novos passos coreográficos. No meio do grupo, uma bailarina se destacava. A performance prendeu minha atenção. Meu olhar não descolou mais do desenho coreográfico que o corpo da dançarina de bumbá produzia no espaço. Desenhos construídos com riscos rápidos, agitados, ritmados. Algumas vezes linear ou então quebrado. Num instante abrupto, noutro suave, outras vezes curvilíneo ou, noutro momento, reto ou languido. Em síntese, era um quadro de Picasso, abordando um tema que nunca o gênio do cubismo sonhou eternizar: a dançarina de boi-bumbá.
Aproximei-me do grupo, como um admirador de obra de arte, numa galeria, se aproxima do objeto artístico exposto, para observá-lo com mais precisão. Foi aí que reconheci a assinatura da artista bailarina que assinava aquela obra prima com seu próprio corpo. Coloria sua arte com a força pujante de seu coração e desenhava as formas da obra com a intensidade da alma beradeira. Emoldurava o objeto artístico com a inocência da paixão cabocla que se espraia abundante em terras karipunas e karitianas.
A artista que brindou minha retina realizando uma performance com o sabor e valor da identidade cultural dos vales do Madeira, Mamoré e Guaporé, construindo uma palheta de corres carregada nos pigmentos que representam todos os nossos bumbás, de forma que traduzia o brilho e a força da cultura popular que, naquele momento, afagou meu orgulho de beradeiro guaporeano, era a talentosa acadêmica de jornalismo e artista-mestra da cultura popular Ana Santos, destaque do Boi-Bumbá Corre Campo, o Gigante Sagrado da Amazônia Ocidental, patrimônio cultural imaterial e síntese de cultura popular do povo de Porto Velho.
Não acredita?!
Apareça e confira pessoalmente.
(*) O Autor é artista plástico e blogueiro
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